quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O texto da polémica

A polémica do discurso que Bento XVI dirigiu dia 22 aos membros da Cúria Romana e do governo da Cidade do Vaticano, no tradicional encontro de Natal foi motivada pela seguinte passagem:

Antes de tudo está a afirmação que nos apresenta o início da narração da criação: nela se fala do Espírito criador que voa por cima das águas, cria o mundo e o renova continuamente. A fé no Espírito criador é um conteúdo essencial do Criador cristão. O fato de que a matéria leva em si uma estrutura matemática, está cheia de espírito, é o fundamento sobre o qual se baseiam as modernas ciências da natureza. Só porque a matéria está estruturada de maneira inteligente, nosso espírito é capaz de compreendê-la e de remodelá-la ativamente. O fato de que esta estrutura inteligente proceda do mesmo Espírito criador que também nos doou o espírito, implica ao mesmo tempo uma tarefa e uma responsabilidade. Na fé sobre a criação está o fundamento último de nossa responsabilidade com a terra. Não é simplesmente uma propriedade nossa, da qual nos podemos aproveitar segundo nossos interesses e desejos. É mais dom do Criador, que desenhou os ordenamentos intrínsecos e deste modo nos deu sinais de orientação que devemos respeitar como administradores de sua criação. O fato de que a terra, o cosmos, refletem o Espírito criador, significa também que suas estruturas racionais – que muito além da ordem matemática, no experimento, se tornam quase palpáveis – levam em si uma orientação ética. O Espírito que as plasmou é mais que matemática, é o Bem em pessoa que, através da linguagem da criação, nos indica o caminho para o reto caminho.

Dado que a fé no Criador é uma parte essencial do credo cristão, a Igreja não pode e não deve limitar-se a transmitir a seus fiéis só a mensagem da salvação. Também tem uma responsabilidade com a criação e tem de cumprir esta responsabilidade em público. E, ao fazê-lo, não só tem de defender a terra, a água, o ar, como dons da criação que pertencem a todos. Tem de proteger também o homem contra sua própria destruição. É necessário que haja algo como uma ecologia do homem, entendida no sentido justo. Quando a Igreja fala da natureza do ser humano como homem e mulher e pede que se respeite esta ordem da criação, não está expondo uma metafísica superada. Aqui se trata, de fato, da fé no Criador e da escuta da linguagem da criação, cujo desprezo significaria uma auto-destruição do homem e, portanto, uma destruição da própria ordem de Deus.

O que com frequência se expressa e entende com o termo «gender», se sintetiza em definitivo na auto-emancipação do homem da criação do Criador. O homem quer fazer-se por sua conta, e decidir sempre e exclusivamente sozinho sobre o que lhe afeta. Mas deste modo vive contra a verdade, vive contra o Espírito criador. Os bosques tropicais merecem, certamente, nossa proteção, mas não menos a merece o homem como criatura, no qual está inscrita uma mensagem que não contradiz a nossa liberdade, mas que é sua condição. Grandes teólogos da Escolástica qualificaram o matrimônio, ou seja, o laço para a vida toda entre o homem e a mulher, como sacramento da criação, instituído pelo Criador, e que Cristo – sem modificar a mensagem da criação – acolheu depois na história de sua aliança com os homens. Faz parte do anúncio que a Igreja deve oferecer o testemunho a favor do Espírito criador presente na natureza em seu conjunto e de maneira especial na natureza do homem criado à imagem de Deus. A partir desta perspectiva, seria preciso ler a encíclica Humanae Vitae: a intenção do Papa Paulo VI era a de defender o amor contra a sexualidade como consumo, o futuro contra a pretendida exclusividade do presente, e a natureza do homem contra a sua manipulação.

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