quarta-feira, 18 de março de 2009

Um falso problema

(Clicar no título para ler o texto na íntegra)

O Papa Bento XVI está desde ontem nos Camarões. Na viagem, a bordo do avião, fez declarações sobre a sida, dizendo que o preservativo não resolve a situação criada pela doença. Mas este pode ser um falso problema, como escrevo hoje no Público:

Há muito que o preservativo é um falso problema. Para muitos católicos que o utilizam como contraconceptivo e para muitas instituições católicas que o distribuem na luta contra a sida.

Ontem, o Papa não poderia dizer diferente do que disse, mantendo a doutrina sobre a qual, como dizia o teólogo Juan Masiá, não se sabe se havemos de rir ou chorar. A afirmação de que o preservativo não é eficaz parece ser contrariada pelos resultados de várias campanhas.

O último relatório da ONU sobre sida, ontem citado pela Lusa, diz que aumentou a utilização do preservativo entre jovens com vários parceiros e diminuiu a percentagem dos jovens que se iniciam sexualmente antes dos 15 anos - nos Camarões, onde Bento XVI está desde ontem, baixou de 35 para 14 por cento.

Masiá, que dirigiu cátedras de bioética católica em Madrid e no Japão, escreveu: "No caso - meio cómico, meio anacrónico - à volta do preservativo: não se sabe se havemos de rir ou chorar. Nem sequer tinha que ser problema. Não só como prevenção de contágio, mas como anticonceptivo corrente (...) A teologia moral há muito superou esse falso problema." Sabe-se que, na redacção da Humanae Vitae, a encíclica de Paulo VI sobre planeamento familiar, a tese maioritária não ganhou: as pressões da Cúria levaram o Papa a opor-se à contracepção "artificial".

Bento XVI pode ter razão noutra coisa: o preservativo não é "a" solução do problema da sida - embora seja a mais mediática. A directora do instituto angolano contra a sida, Dulcelina Serrano, afirmou ontem à Lusa que "comportamentos como a fidelidade e a abstinência também jogam um papel importante na redução de novas infecções".

Do total de instituições de combate à sida, 27 por cento são ligadas à Igreja Católica, de acordo com a OMS - um trabalho elogiado pelo director do ONU Sida, Peter Piot. Muitas delas distribuem o preservativo sem problema.

Sabe-se que a Cáritas Internacional está empenhada no apoio a crianças com sida. Que o Vaticano tem insistido na descida de preço dos medicamentos e já disse que as grandes farmacêuticas são "genocidas". E que a palavra do Papa, mesmo que favorável ao preservativo, não mudaria hábitos culturais e ancestrais em África, como a poligamia. Mas uma posição mais positiva e menos interditos poderia ajudar.


Sem comentários: