sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sexta-Feira Santa em Cuba e em Roma

Hoje é feriado em Cuba, o que acontece excepcionalmente, como uma espécie de retribuição da visita do Papa Bento XVI ao país, há pouco mais de uma semana. Este facto traduz luzes e sombras na relação da Igreja Católica com o regime e com a sua forma de estar na sociedade. 

Desde logo, é positivo que os crentes tenham mais espaço, num país sujeito ainda a um regime monolítico e que continua dependente da voz de um chefe. Mesmo que essa possibilidade de expressão seja para já apenas restrita à dimensão institucional e pastoral (como através da realização de actos públicos de fé), o alargamento dessa possibilidade de expressão pública é sempre positivo. Quanto mais espaço houver para que determinados grupos se possam exprimir, mais depressa a liberdade chegará para todos. 
Há um reverso neste facto: ao limitar as suas reivindicações a uma dimensão institucional (feriados de Natal e Sexta-Feira Santa, procissões na rua, etc.), a Igreja Católica (ou as suas lideranças) está a esquecer a situação de um povo que continua a sofrer por causa das limitações da liberdade e da cegueira do embargo norte-americano - ambos denunciados pelo Papa nos seus discursos em Cuba. O perfil moderado do cardeal Jaime Ortega não é alheio a este processo, já que o arcebispo de Havana prefere privilegiar uma relação institucional de entendimento do que uma lógica de denúncia clara das violações dos direitos humanos. 
Este feriado ocorre depois de, na homilia da Missa Crismal, Quinta-Feira Santa em Roma, o Papa ter criticado "um grupo de padres [que, recentemente] num país europeu publicou um apelo à desobediência, dando exemplos concretos sobre a maneira de exprimir esta desobediência". A referência visava os cerca de 400 padres austríacos que, até ao momento, assinaram já a "Iniciativa dos Padres", que propõe reformas na Igreja no âmbito disciplinar e ministerial. Nomeadamente, estão em causa questões como a distribuição e a função do clero numa altura em que os padres são cada vez mais escassos, a ordenação de homens casados e de mulheres. 
Apesar da referência do Papa de que a renovação pós-Convílio Vaticano II (1962-65) "assumiu formas inesperadas de movimentos plenos de vida" (sem especificar quais), Bento XVI não quis admitir que isso passa também pelo facto de tantos cristãos, mulheres e homens, quererem assumir de forma adulta a sua fé, o que os leva a questionar dogmas e tradições que a exegese bíblica mais recente e profunda coloca cada vez mais em questão - sobre o papel das mulheres, por exemplo. 
A hierarquia católica não pode continuar a cair no erro de ignorar a cidadania dos seus crentes: pedir mais espaço para a Igreja implica também dar mais espaço e direito de cidadão aos baptizados no interior da estrutura católica.
Sexta-Feira Santa é ainda sexta-feira de Paixão, também para a vida de muitos crentes no interior da Igreja Católica. 

(foto: Bento XVI na Praça da Revolução, em Havana; copiada daqui)

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