segunda-feira, 14 de maio de 2012

A crise, os mais vulneráveis e a fraternidade operativa

“A Cáritas Europa está preocupada com a evolução das políticas atuais, que considera de solução fácil e a curto prazo não enfrentando os desafios fundamentais das nossas sociedades”, noticia a agência Ecclesia. Os responsáveis da instituição manifestaram-se mesmo “alarmados” com os efeitos da crise económica sobre os “mais vulneráveis da sociedade”.
No sábado, a propósito das críticas que diversos teólogos espanhóis têm feito ao poder financeiro internacional, Anselmo Borges recordava, na sua coluna do DN, a referência de Xabier Pikaza à actual “santíssima trindade” que nos domina: "A Trindade cristã era formada por Deus Pai, o Filho Jesus Cristo (que éramos todos os seres humanos) e o Espírito Santo (que era a comunhão ou amor entre Deus e os seres humanos, entre todos os seres humanos). Mas agora surgiu uma Trindade diferente, formada por Deus-Capital (que não é Pai, mas monstro que tudo devora), pelo Filho-Empresa, que não redime, mas produz bens de consumo ao serviço dos privilegiados do sistema, e pelo Espírito Santo-Mercado, que não é comunhão de amor, mas forma de domínio de uns sobre os outros."

A ditadura financeira actual (é disso que se trata) já nem se esconde atrás de subterfúgios: sexta-feira passada, dois ministros alemães – o das Finanças e o dos Negócios Estrangeiros – disseram que Grécia e França teriam que cumprir os programas de austeridade (assim chamados, mas que são de austeridade apenas para alguns). Os povos votam, têm a ilusão de estar a decidir o seu futuro através desse exercício democrático, mas a meia-dúzia de iluminados que nos desgovernam é que pretendem ditar as regras. 

Hoje, no Público, ficámos a saber que os salários dos presidentes das empresas do PSI-20 (as mais importantes do país) subiram 5,3 por cento, ao contrário dos salários dos trabalhadores, cuja média desceu 11 por cento.

Em Fátima, na tarde de dia 12, o bispo de Leiria-Fátima, António Marto, disse que “os mercados foram criados para servir a humanidade e não a humanidade para servir os mercados”. E na homilia da missa com que encerrou a peregrinação de 13 de Maio, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Cosenlho Pontifício da Cultura, dizia que os cristãos não deviam “ter medo de sujar as mãos, ajudando os miseráveis da terra” e empenhando-se numa “fraternidade operativa”.

Uma fraternidade operativa que passa hoje, parece-me, em primeiro lugar, pela denúncia da usurpação de direitos a que os mesmos mercados e a ditadura financeira nos tem submetido - tirando cada vez mais gente para o leque dos "miseráveis" da terra - ou os mais vulneráveis, na expressão da Cáritas. A questão da justiça social deve voltar a ser colocada, desde logo, através do re-questionamento do papel do Estado na redistribuição da riqueza. Porque se o Estado (e os governos) não serve para isso, então de pouco serve(m). Esse é, seguramente, um dos desafios fundamentais dos tempos que vivemos.
(ilustração: Cáritas Europa)

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