segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Eleições nos EUA: qual é o mais católico para Presidente?


Reeleger um Presidente evangélico (sem filiação), para quem o cristianismo deve ser “um agente activo e tangível no mundo” ou eleger um Presidente mórmon para o qual a fé deve promover uma crença comum em convicções morais. A escolha não é esta, mas esse é um dos aspectos em jogo nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, que se disputam amanhã, terça-feira, para o mandato 2013-2016.
Em pano de fundo, está também a maior ou menor aproximação dos dois candidatos à Igreja Católica, cujo peso nos EUA é importante – perto de 70 milhões de pessoas numa população de cerca de 310 milhões. Neste último ano, o debate sobre este tema cresceu de tom, por causa do plano nacional de saúde promovido pela Administração Obama, e das declarações do Presidente apoiando o casamento homossexual. Não por acaso, os dois candidatos a vice-presidente – Joe Bidden, do lado de Obama, e Paul Ryan, na dupla com Romney – são ambos católicos, embora pouco tenham a ver um com o outro, em termos ideológicos.
Quem teve a oportunidade de ler algum ou os dois livros de Obama já publicados em Portugal – “A Minha Herança” e “A Audácia da Esperança” (ambos editados pela Casa das Letras) – reparou com certeza em alguém que faz da sua fé um fundamento para a acção cívica e a intervenção social. E que identifica a história do povo bíblico com a vida actual dos crentes.
No primeiro dos livros citados, a descrição do momento em que Barack Obama decidiu tornar-se cristão é comovente: “E naquela única nota – esperança! – ouvi outra coisa; aos pés daquela cruz, dentro dos milhares de igrejas espalhadas pela cidade, imaginei as histórias dos negros comuns a fundirem-se com as histórias de David e Golias, Moisés e o Faraó, os cristãos lançados aos leões, o campo de ossos secos de Ezequiel. Essas histórias – de sobrevivência e liberdade e esperança – tornavam-se a nossa história, a minha história; o sangue que fora derramado era o nosso sangue, as lágrimas as nossas lágrimas.”
Stephen Mansfield, autor de “A fé de Barack Obama” (não publicado em Portugal) e considerada por várias pessoas como uma das melhores biografias do actual Presidente, diz na revista católicafrancesa “La Vie”“Obama considera que a sua fé deve influenciar a maneira de governar o país. E assim ele leva os valores religiosos à esfera política.”
Esse modo de agir funda-se desde cedo na trajectória do jovem animador social dos bairros negros e pobres de Chicago e atinge um momento decisivo exactamente quando Obama descobre na fé cristã o fundamento e o horizonte da sua acção. “A minha fé crista dá-me uma perspectiva e uma segurança que eu não teria por outros meios: que eu sou amado e que, no fim do caminho, Deus está a guiar”, dizia o Presidente-candidato, a 21 de Agosto, à “Washington National Cathedral Magazine”, uma revista religiosa, citado pela “La Vie”.
No texto publicado neste semanário francês, Henrik Lindell caracteriza a fé de Obama como “livre e descomplexada, que não se assemelha à do seu adversário Mitt Romney” e que corresponde a uma América “mais heterogénea que nunca”. O mesmo articulista aponta, alias, três actos da Presidência de Obama que são “explicitamente inspirados pelos seus valores cristãos”: a reforma do sistema de saúde, que permitirá a 35 milhões de cidadãos o acesso, pela primeira vez, a cuidados de saúde; a salvação dos empregos na indústria automóvel; e o “discurso do Cairo”, de 4 de Julho de 2009, onde o Presidente defendeu o diálogo entre os EUA e o islão, baseados ambos em princípios comuns como “a justiça e o progresso, a tolerância e a dignidade de cada ser humano”. Esse discurso é muitas vezes considerado como tendo aberto as portas às Primaveras árabes.
Ora, precisamente a reforma do sistema de saúde é um dos campos de batalha da hierarquia católica norte-americana com o ainda Presidente. Os bispos têm-se mobilizado contra a posição do Presidente, que pretende que todos os centros de saúde – incluindo os que são propriedade da Igreja – dêem acesso a métodos de planeamento familiar gratuito a todos os que o solicitem. Ao mesmo tempo, Obama afirma-se favorável à despenalização do aborto, posição que ele explica no livro “A Audácia da Esperança”, num capítulo dedicado exactamente às questões da fé.
A atitude proposta por Obama para enfrentar a questão do aborto é a de perceber que existe um problema e que um político tem que tentar resolver de alguma maneira, a bem das pessoas. Tal como as questões da pobreza, do racismo ou do desemprego, que não são “simples problemas técnicos”, antes exigem “levar a cabo mudanças nas políticas governamentais e também nas mentes e nos corações” dos cidadãos.

O que viu Mitt Romney

No seu discurso sobre a religião nos EUA, em 2007, Mitt Romney fala da “crença comum nas convicções morais” que as religiões devem promover. E recordava: “Fui ensinado em minha casa a honrar Deus e amar o meu vizinho. Vi o meu pai marchar com Martin Luther King. Vi os meus pais prestar cuidados compassivos a outras pessoas (...). Emociono-me com as palavras do Senhor: ‘Eu estava com fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era peregrino e recolhestes-me, estava nu e vestistes-me.”
No “La Vie”, o articulista Henrik Lindell situa as diferenças de Romney em relação a Obama precisamente no campo das escolhas sociais. Se vencer, o candidato republican imporá a desregulação da economia e a descida de impostos sobretudo para os mais ricos. E uma das suas primeiras medidas sera a abolição da reforma do sistema de saúde.
A oposição de Romney ao sistema de saúde é explicada na revista francesa por Brian Fikkert, director do Chalmers Center para o desenvolvimento económico, que depende do Covenant College, na Georgia: “A ideologia republicana funda-se no medo de um Estado centralizador que ditaria todas as regras. Confia-se mais nas autoridades locais, nos Estados (dos quais alguns são comparáveis em tamanho aos grandes países europeus) e às iniciativas privadas e mesmo religiosas, por vezes actuantes, sobre as quais se pode exercer um certo controlo”, diz o especialista.
Ao mesmo tempo, a oposição de Romney ao casamento homossexual e ao planeamento familiar e à contracepção pagos pelo Estado é considerada como pouco consequente por Max Mueller, politólogo da Universidade de Harvard e especialista na influência dos mórmones na política: “Romney é conhecido pelo seu estatuto de bom administrador e pela sua capacidade de mudar de ponto de vista em função dos eleitores. O seu conservadorismo moral é tipicamente republicano e ele não mudará nada das regras actuais. Ele diz que é contra o aborto mas Bush, pai e filho, e Reagan, também o eram e não puseram em causa o direito de abortar.”
O texto da revista “La Vie” recorda outras diferenças, relativas à política internacional: Romney defende o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e o direito deste país desenvolver acções militares contra o Irão. E tal como Bush, e ao contrário de Obama, advoga a ideia do “excepcionalismo” americano no mundo. A par do aumento do orçamento da Defesa, que em 2022 deveria atingir um bilião de dólares anuais, o dobro do orçamento actual.

(No site da CNN, podem ler-se dois mais extensos e fundamentados retratos da dimensão religiosa dos candidatos Barack Obama e Mitt Romney; fotos Getty Images reproduzidas nos artigos da CNN)

1 comentário:

Lucy disse...

Obrigada é interessantíssimo!