segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Liberdade religiosa no mundo em “grave declínio”

Relatório apresentado esta terça-feira em Lisboa com presença de arcebispo libanês; perseguição de minorias e estados uniconfessionais provocam aumento dramático de refugiados; patriarca greco-melquita traça retrato trágico da situação na Síria



Refugiados no Médio Oriente 
(foto reproduzida daqui)

A liberdade religiosa está numa fase de “grave declínio”, de acordo com a edição de 2014 do relatório Liberdade Religiosa no Mundo, que avalia 196 países. Preparado pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), organização internacional dependente da Santa Sé, o documento será apresentado no auditório da Assembleia da República, a partir das 17h desta terça-feira, dia 4 de Novembro, com a presença do arcebispo libanês de Bekaa, Issam John Darwish.
Outra conclusão importante do relatório é que, entre os casos de violações mais graves da liberdade religiosa, predominam países de maioria muçulmana e onde os governos usam a religião para impor regimes autocráticos e ditatoriais.
De acordo com informações da Fundação AIS em Portugal, o estudo conclui ainda que “a perseguição das minorias religiosas” e o aumento dos estados uniconfessionais está a provocar uma vaga muito elevada de populações em fuga, o que tem contribuído para a “crise mundial de refugiados”.
 Michael Gulbenkian participa também na apresentação do relatório. O arcebispo Darwish, anuncia a AIS, irá falar sobre a liberdade religiosa no Líbano. O país está confrontado com uma forte ameaça de colapso económico e político por ter acolhido, nos últimos anos, milhares de refugiados provenientes da Síria e do Iraque.

“Pelas armas não se muda nada”

A presença de Issam Darwish em Portugal integra a campanha da AIS no sentido de sensibilizar a população portuguesa para a violência que estão a sofrer os cristãos do Médio Oriente. Nos últimos dias, no âmbito desta acção, esteve em Portugal o patriarca Gregorios III, da Igreja Católica Greco-Melquita, com sede em Damasco (Síria), que concelebrou mesmo a eucaristia do dia de Fiéis Defuntos, na sé patriarcal de Lisboa.
No mesmo dia, em entrevista a Sofia Lorena, no Público, o patriarca Gregorios dizia: “O que temos de ver é que pelas armas não se muda nada. São fáceis de conseguir, mas não levam a solução nenhuma”. E acrescenta: “É irresponsável que os grandes países pensem que vão resolver esta situação com armas, é uma tontice.” Para este responsável, “se a América e a Rússia já tivessem alcançado algum acordo que preservasse os seus interesses estaria tudo bem”. E acrescenta: “A paz não chega porque falta esse consenso. A América e a Rússia não querem saber de democracia na Síria.” (o texto pode ser lido aqui na íntegra)
No final da missa de domingo, o patriarca lançou um apelo aos portugueses, no sentido de mobilizar todas as vontades para que a paz prevaleça no seu país.
Não há nenhum lugar seguro na Síria. Podemos pensar que há lugares mais seguros do que outros, mas em qualquer momento podemos ser mortos por uma bomba, um míssil ou uma bala, já para não mencionar ser raptado ou feito refém em troca de um resgate, ou simplesmente assassinado… O caos ameaça todos, em toda a parte, a cada momento”, disse o patriarca, fazendo um retrato do que se vive no terreno, neste momento.
“O perigo paira sobre todos os cidadãos, especialmente os cristãos”, acrescentou, “devido à destabilização e ao caos nos bairros residenciais provocados pela exploração, em especial dos cristãos, mas também de outros grupos religiosos.” E há ainda “o perigo de pessoas, casas, igrejas e mesquitas serem usados como escudos, e o perigo de se incitarem motins religiosos entre cristãos, muçulmanos e drusos”, acrescentou no seu apelo.
“O futuro do Cristianismo na Síria está ameaçado, não pelos muçulmanos, mas pela actual crise, devido ao caos que ela provoca e à infiltração de grupos islâmicos fundamentalistas, fanáticos e incontroláveis”, acrescentou, num trágico retrato da situação no terreno e que terminou com uma oração (texto para ler na íntegra aqui)
No final da celebração, o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, afirmou que o pedido do patriarca greco-melquita não seria esquecido.

O êxodo dos cristãos e o caso de Asia Bibi

O êxodo dos cristãos da Síria, do Iraque e, em geral, de todo o Médio Oriente tem sido uma das consequências graves da guerra e dos conflitos que atravessam a região. Em Julho, num outro texto, ainda no Público, Sofia Lorena dava conta de alguns números e histórias.
Desde o início de 2011, recorda a AIS, a guerra civil na Síria já matou mais de 150 mil pessoas e deu origem à maior crise humanitária contemporânea. Mais de oito milhões de pessoas perderam as suas casas e estão refugiadas algures no país ou a viver em campos de refugiados no Líbano, Jordânia, Turquia ou outros países da região, recorda a AIS, que tem apelado a uma resposta solidária contra a ameaça do auto-proclamado “Estado Islâmico”, que domina vastos territórios entre a Síria e o Iraque e tem aterrorizado a presença da ancestral comunidade cristã na região.
A visita dos dois responsáveis cristãos marca uma campanha mais intensiva da AIS em favor das comunidades cristãs da região e que, já esta semana, passará ainda por uma conferencia do arcebispo Darwish, em Fátima, no próximo sábado, dia 8 (Casa Nossa Senhora das Dores, a partir das 15h).
Um pouco mais para leste, um dos casos que nos últimos dias voltou ao topo das notícias foi o da cristã Asia Bibi, acusada e condenada à morte, há cinco anos, por blasfémia – na realidade, terá sido acusada por beber água de um poço supostamente reservado a muçulmanos, como contava Anne-Isabel Tollet, autora de Blasfémia (ed. Alêtheia), numa conversa que tive com ela há três anos. 
Asia Bibi viu a sentença ser há dias confirmada e escreveu uma carta ao Papa pedindo que ele reze por ela
O secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas, Olav Fykse Tveit, expressou a sua consternação pela confirmação da condenação à morte. Garantir a justiça em casos como os de Asia Bibi é fundamental para promover a tolerância, a harmonia religiosa e a protecção dos direitos das minorias religiosas, disse Olav Tveit.  

2 comentários:

Anónimo disse...

E quanto a perseguição que a Igreja Católica impõe onde ela domina e oprime as minorias, sejam elas quais forem, inclusive cristãs? Engraçado mas esse relatório é extremamente tendencioso!

António Marujo disse...

Três notas ao comentário anterior: 1) tendencialmente, preferimos publicar comentários assinados; neste caso, publico para poder de novo dar esta explicação; 2) leu já o relatório (disponível online em português aqui: http://www.fundacao-ais.pt/cms/view/id/3261/) Não me parece que seja tendencioso, pois regista casos relativos à perseguição de todos os crentes, independentemente do seu credo; 3) e onde é que vê a Igreja Católica a dominar e oprimir minorias? Parece que a sua observação parou algures nos séculos XVI e XVII e não se refere à actualidade... Ao dispor. António Marujo