segunda-feira, 23 de março de 2015

Mulheres, Família e Igreja – um debate em crescendo

O Movimento Internacional Nós Somos Igreja promove, nesta quarta-feira, um encontro de debate sobre Mulheres, Família e Igreja. Será a partir das 21h, na Capela do Rato (Calçada Bento da Rocha Cabral, 1-B), em Lisboa, e nele participam Maria do Rosário Carneiro, ex-deputada e professora universitária, e Anália Torres, socióloga.


Ferdinand Hodler, The Sacred Hour, 1907, Kunsthaus, Zurich
(ilustração reproduzida daqui)

Esta iniciativa acontece no contexto de preparação para o segundo Sínodo dos Bispos sobre a família, e também num momento em que surgem cada vez mais leituras, comentários  e interpretações sobre as tomadas de posição do Papa acerca da questão das mulheres na Igreja.
Há mesmo quem pergunte se o Papa será feminista. Num texto publicado em Le Monde des Religions, Bénédicte Lutaud recorda diversas declarações e gestos do Papa sobre a questão: “As mulheres devem ser mais consideradas na Igreja”, disse já o Papa Francisco, que também lavou os pés a mulheres em Quinta-Feira Santa (acto não permitido pelas regras litúrgicas), gesto que aliás repetirá na mesma cerimónia do Lava-Pés deste ano, de novo numa prisão. 
O Papa insistiu já em diferentes ocasiões no “papel particular” das mulheres em abrir o caminho para Jesus e convidou a Igreja a reflectir sobre o papel da mulher nas instâncias onde se tomam decisões importantes (como faz na Evangelii Gaudium – EG 104). E, depois de colocar homens e mulheres em paridade na Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores, convidou cinco teólogas para a Comissão Teológica Internacional, dizendo que elas não podem ser apenas “a cereja em cima do bolo”.

Há uma continuidade no conteúdo da doutrina, já que o Papa repete que a ordenação é reservada aos homens, observa o texto citado (que pode ser lido aqui na íntegra ou aqui numa tradução em português). Mas o estilo daquilo que diz e faz rompe com a tradição – e sabe-se que a doutrina muda à medida que vai mudando a cultura sobre as coisas. Anne Marie Peletier, teóloga que venceu o Prémio Raztinger 2014, uma das vozes convidadas a intervir na recente assembleia plenária doConselho Pontifício para a Cultura sobre Culturas Femininas – Entre Igualdade e Diferença, afirmou: “Hoje, um certo número de mulheres se distancia da instituição eclesial por considerarem-na pouco reconhecedora do enorme trabalho desenvolvido pelas mulheres. (…) "Esse tipo de evolução um pouco telúrica só pode ser feita com um mínimo de paciência e de confiança. Mas o movimento começou.”
Uma outra iniciativa, destinada a marcar o Dia Internacional da Mulher (assinalado anualmente a 8 de Março), foi promovida pela Voices of Faith, e apoiada pela Caritas Internationalis (presidida pelo cardeal Oscar Maradiaga) e pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados, entre outras instituições. A iniciativa debateu a igualdade, a inclusão e a ordenação de mulheres na Igreja Católica. Mas pretendeu também dar voz a mulheres comprometidas na promoção da paz e dos direitos humanos.
Neste movimento, há que dar importância a outros sinais como o do suplemento Mulheres, Igreja, Mundo, publicado mensalmente pelo jornal do Vaticano, L’Osservatore RomanoNos últimos meses, o suplemento já tratou temas como a sexualidade, a opção pela solidão, as diferenças entre homens e mulheres, as mulheres intelectuais ou a procriação.  
Num artigo recente, já aqui referidoEnzo Bianchi, prior da comunidade de Bose (no norte de Itália), perguntava porque são as mulheres exaltadas mas, de facto, marginalizadas na Igreja: “Há décadas, a Igreja Católica se interroga sobre o papel das mulheres na Igreja, mas sem que nasçam respostas adequadas e convincentes. Exalta-se a feminilidade com expressões curiosas ("o génio feminino"...), destaca-se a sua eminente dignidade de esposas, mães e irmãs, mas, depois, não lhes é reconhecida qualquer possibilidade de exercer responsabilidades e funções diretivas na Igreja.”
A teologia e a exegese bíblica têm destacado cada vez mais que as mulheres tiveram um papel muito mais importante, na vida de Jesus e nas primeiras comunidades, do que aquilo se julgou durante séculos. Algumas notas sobre o tema podem ser lidas neste texto sobre as mulheres mais importantes na vida de Jesus.
E esse movimento de pesquisa continua, como o atesta a publicação do livro Doze Mulheres na Vida de Jesus, de Anne Soupa, outro nome importante na investigação sobre o tema. Como continua o movimento que pede uma outra atitude da Igreja, o que é comprovado por um outro livro, publicado em Itália há menos de um ano, reunindo 25 cartas de mulheres ao Papa.
O teólogo basco espanhol Carlos Gil Arbiol, também exegeta bíblico, afirmou já que a Igreja deveria dar às mulheres o protagonismo que até agora lhes tirou (aqui pode ser lida a entrevista, publicada também em Deus Vem a Público).
Num texto recente, Leonardo Boff citava também o trabalho teológico que várias mulheres têm feito, ao longo da história, a partir da sua feminilidade. E recordava concretamente os contributos de Hildegarda de Bingen (1098-1179) e Juliana de Norwich (1342-1416).
Ingredientes mais do que suficientes para juntar ao debate de quarta-feira.

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